Medo de amar?
Parece absurdo, com tantos outros medos que
temos que enfrentar: medo da violência, medo da inadimplência, e a
não menos temida solidão, que é o que nos faz buscar relacionamentos. Mas absurdo ou não,
o medo de amar se instala entre as nossas vértebras e a gente sabe por quê. O amor, tão nobre,
tão denso, tão intenso, acaba. Rasga a gente por dentro, faz um corte profundo que vai do peito
até a virilha, o amor se encerra bruscamente porque de repente uma terceira pessoa surgiu ou
simplesmente porque não há mais interesse ou atração, sei lá, vá saber o que interrompe um
sentimento, é mistério indecifrável. Mas o amor termina, mal-agradecido, termina, e termina só de
um lado, nunca se encerra em dois corações ao mesmo tempo, desacelera um antes do outro, e vai
um pouco de dor pra cada canto. Dói em quem tomou a iniciativa de romper, porque
romper não é fácil, quebrar rotinas é sempre traumático. Além do amor existe a amizade que
permanece e a presença com que se acostuma, romper um amor não é bobagem, é fato de
grande responsabilidade, é uma ferida que se abre no corpo do outro, no afeto do outro, e
em si próprio, ainda que com menos gravidade. E ter o amor rejeitado, nem se fala, é
fratura exposta, definhamos em público, encolhemos a alma, quase desejamos uma violência
qualquer vinda da rua para esquecermos dessa violência vinda do tempo gasto e vivido, esse
assalto em que nos roubaram tudo, o amor e o que vem com ele, confiança e
estabilidade. Sem o amor, nada resta, a crença se desfaz, o romantismo perde o sentido,
músicas idiotas nos fazem chorar dentro do carro. Passa a dor do amor, vem a trégua, o
coração limpo de novo, os olhos novamente secos, a boca vazia. Nada de bom está
acontecendo, mas também nada de ruim. Um novo amor? Nem pensar. Medo, respondemos.
Que corajosos somos nós, que apesar de um medo tão justificado, amamos outra vez e todas
as vezes que o amor nos chama, fingindo um pouco de resistência mas sabendo que
para sempre é impossível recusá-lo.
Martha Medeiros
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