Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Janela do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.
Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Em que hei de pensar?
Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Gênio?
Neste momento Cem mil cérebros se concebem em sonhos gênios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, Nem um,
Nem haverá ,senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado ...
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que não tinha muitas qualidades;
Serei sempre o que tinha muitos defeitos;
Serei sempre o que alimentava sonhos e ilusões
Serei sempre o que acreditava no amor
Crer em mim? Não, nem em nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo os carros que passam,
Vejo os vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
vejo cada coisa passar diante dos meus olhos...
Vivi, estudei, amei e até errei ,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava cansado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-me como coisa que eu fizesse,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um velho tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.
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