quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Hoje eu acordei triste...



Se eu disser pra você que hoje acordei triste, que foi difícil sair da cama, 
mesmo sabendo que o sol estava se exibindo lá fora e o céu convidava
 para a farra de viver, mesmo sabendo que havia muitas providências a tomar, 
acordei triste e tive preguiça de cumprir os rituais que faço sem nem prestar atenção
 no que estou sentindo, como tomar banho, colocar uma roupa, ir pro computador,
 sair pra compras e reuniões – se eu disser que foi assim, o que você me diz?
 Se eu lhe disser que hoje não foi um dia como os outros, que não encontrei 
energia nem pra sentir culpa pela minha letargia, que hoje levantei devagar e 
tarde e que não tive vontade de nada, você vai reagir como?
Você vai dizer “te anima” e me recomendar um antidepressivo, ou vai dizer
 que tem gente vivendo coisas muito mais graves do que eu 
(mesmo desconhecendo a razão da minha tristeza), vai dizer pra eu colocar
 uma roupa leve, ouvir uma música revigorante e voltar a ser aquela que
 sempre fui, velha de guerra.
Você vai fazer isso porque gosta de mim, mas também porque é mais um que
 não tolera a tristeza: nem a minha, nem a sua, nem a de ninguém. Tristeza é considerada 
uma anomalia do humor, uma doença contagiosa, que é melhor eliminar desde o
 primeiro sintoma. Não sorriu hoje? Medicamento. Sentiu uma vontade de chorar à toa? 
Gravíssimo, telefone já para o seu psiquiatra.
A verdade é que eu não acordei triste hoje, nem mesmo com uma suave melancolia,
 está tudo normal. Mas quando fico triste, também está tudo normal. Porque ficar triste é comum, 
é um sentimento tão legítimo quanto a alegria, é um registro de nossa sensibilidade, 
que ora gargalha em grupo, ora busca o silêncio e a solidão. Estar triste não é estar deprimido.
Depressão é coisa muito séria, contínua e complexa. Estar triste é estar atento a si próprio, 
é estar desapontado com alguém, com vários ou consigo mesmo, é estar um pouco
 cansado de certas repetições, é descobrir-se frágil num dia qualquer, sem uma razão
 aparente – as razões têm essa mania de serem discretas.
“Eu não sei o que meu corpo abriga/ nestas noites quentes de verão/ e não me importa 
que mil raios partam/ qualquer sentido vago da razão/ eu ando tão down…” Lembra da música?
Cazuza ainda dizia, lá no meio dos versos, que pega mal sofrer. Pois é, pega mal. 
Melhor sair pra balada, melhor forçar um sorriso, melhor dizer que está tudo bem, 
melhor desamarrar a cara. “Não quero te ver triste assim”, sussurrava Roberto Carlos em meio 
a outra música. Todos cantam a tristeza, mas poucos a enfrentam de fato. Os esforços não são 
para compreendê-la, e sim para disfarçá-la, sufocá-la, ela que, humilde, só quer usufruir 
do seu direito de existir, de assegurar seu espaço nesta sociedade que exalta apenas
 o oba-oba e a verborragia, e que desconfia de quem está calado demais. Claro que é melhor 
ser alegre que ser triste (agora é Vinícius), mas melhor mesmo é ninguém privar você de
 sentir o que for. Em tempo: na maioria das vezes, é a gente mesmo que não se permite
 estar alguns degraus abaixo da euforia.
Tem dias que não estamos pra samba, pra rock, pra hip-hop, e nem pra isso devemos 
buscar pílulas mágicas para camuflar nossa introspecção, nem aceitar convites para festas em
que nada temos para brindar. Que nos deixem quietos, que quietude é armazenamento de força
 e sabedoria, daqui a pouco a gente volta, a gente sempre volta, anunciando o fim de mais 
uma dor – até que venha a próxima, normais que somos.

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